Histórias Engraçadas

Igor Guri - Histórias Engraçadas

O Bailão beneficente do Geraldo

É estranhamente engraçado como uma carreira, ao longo do seu desenvolvimento, tem a capacidade de testar a gente. Sou um cantor que opera usinas, um eletricitário que compõe canções. Sou o que sou, uma bagagem de tudo que me trouxe até aqui me permitindo mudar a qualquer instante. Somos estrada. Isso é um fato. Porém, todas as coisas negativas e frustrantes que acontecem enquanto jovens nos marcam profundamente.

Ano de 2004, junto dos amigos Jéssica Berdet e Jader Padilha liderava (claro que esse não é o termo certo para um guri de 13 anos) nossa banda de garagem, a municipalmente famosa e irreverente “Quadrado Mágico”. Fomos carinhosamente convidados a participar de uma festa beneficente em prol de uma menina que passava por problemas de saúde. O evento era num bairro bem afastado da nossa querida Candiota. Considerando que Candiota já é bem afastado de tudo e todos.

Era a primeira tour interbairros, nosso show de estreia fora a praça de nossa vila. Aceitamos na hora, sem titubear é claro. Chegando no local do evento começou um sentimento mútuo de preocupação. O lugar era de uma escuridão assombrosa e o semblante da rapaziada não era nada receptivo ao ver aqueles fedelhos chegando de violão nas costas.

Nosso repertório era meio exótico, sabe?

Tipo uma salada de frutas com cebola. Tocávamos músicas da cena da época. Bem modinha mesmo (em pequenas cidades isso era vital) e também sons que curtíamos fazer. Então era uma do Tchê Garotos, outra do Maná. Uma do Mc Marcinho, outra do Engenheiros do Hawaii. Tinha tudo para dar errado e deu. Desde cedo tinha o hábito de usar uns chapéus meio estrambólicos assim.

Eu era breguinha mas era feliz, então ao dirigir-me em direção ao palco escuto uma voz treva me intimando: Ô Dick Vigarista. Tu toca umas músicas pra gente pegar a mulherada aí, em? Senão a gente vai te correr de facão daqui. Já imaginando toda galera do Quadrado tomando um coça ardida, pois o poder de conquista daquele cidadão não me parecia confiante, saindo da minha boca com um sorriso amarelo a beleza de frase: Pode deixar “mano véio”. Onde fica o banheiro? – – – – – O rapaz que nunca tinha me visto na vida responde, estranhamente bravo: Tu tem problema de visão? apontando-me uma direção. Era um corredor estranho de tijolos sem reboco com duas quase portas com folhas de ofício escritas a mão: feminino e MASCOLICO.

Pensei: Tô morto. Lembrando que a coisa mais atrativa que tínhamos no repertório para aquele cidadão ansioso e namorador era a quadradice do “Whisky a Go Go”. Dada a largada. Subimos ao palco como um réu caminha pro paredão de fuzilamento na nossa esquisita formação de violão, guitarra, contrabaixo, 3 cantores e um bongô, pois nosso batera Tiagão ficou com preguiça de montar o equipamento e também por falta de espaço e estrutura. Conseguimos tocar cinco músicas e meia, porque antes do refrão da sexta canção o show foi invadido por gritos entre vaias: Bota o DJ! Larguem o som mecânico! Finalizando a música eu já fui agradecendo e nos despedindo quando de repente seu Geraldo, dono do bailão beneficente, rouba o microfone e fala empolgado: Gente. Vamos agradecer essa gurizadinha que veio de longe pra fazer um som em prol da recuperação da nossa Clarinha e pedir um bis. No mesmo instante veio o grito: Olha o facão, em?! Baixamos a cabeça, desplugamos e partimos pro lanchão com refrigerante.

Retornado ao presente achei comicamente interessante dividir essa história com todos que curtem meu som. Gosto de lembrar dela quando coisas ruins acontecem fora ou em cima do palco. Nos momentos que as pessoas agem de má fé, produtores com picos latentes de arrogância ou simplesmente equipes desorganizadas. Um dia o grande amigo Bonella de Porto Alegre (uma espécie de gurú artístico) me falou: Igor, de certeza que a vida é um rio que vai desviando as montanhas, cruzando as pedras, moldando suas margem e suas matas ciliares que o protegem conforme a orientação do terreno. Mas o propósito sempre é o mar. Qual é o teu mar guri? Naquele momento me veio na cabeça o acorde mais aberto do meu violão de nylon e eu estava cantando histórias incríveis de qualquer pessoa em qualquer lugar. Dessa maneira a gente minimiza as ameaças. O que é um facão, uma vaia, o ego inflado de um homem perto da imensidão do mar?

É estranhamente engraçado como uma carreira, ao longo do seu desenvolvimento, tem a capacidade de testar a gente. Sou um cantor que opera usinas, um eletricitário que compõe canções. Sou o que sou, uma bagagem de tudo que me trouxe até aqui me permitindo mudar a qualquer instante. Somos estrada. Isso é um fato. Porém, todas as coisas negativas e frustrantes que acontecem enquanto jovens nos marcam profundamente.

 

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

0:00
0:00